IV - Da inconstitucionalidade do percentual legal da multa moratória e conseqüente excesso de execução
A multa de 20 % (vinte por cento), calculada sobre o ICMS atualizado, nos termos do art. 96, I e §§ 1o. e 2o. e 98 da Lei 6.374/89 e art. 630 do RICMS, aprovado pelo Decreto 33.118/91 e utilizada pela Fazenda Estadual no caso em óbice, “eivam-se” de inconstitucionalidade, o que faz com que a pretensa multa de mora cobrada pela Fazenda Estadual nesta ação, retire a presunção de certeza de liquidez e exigibilidade da CDA, carreie-se de excesso de execução, impondo-se assim, que se tenha por improcedente a presente execução; senão vejamos:
O ilustre doutrinador, Professor José Roberto Florence Ferreira, mestre em Filosofia do Direito e professor de Especialização
“No caso específico do ICMS, os percentuais de multa, em patamares elevados demais, guarda sintonia com o confisco, vedado pelo art. 150, IV da CF.
Na hipótese do pagamento de um débito de ICMS, na fase administrativa, desistindo o contribuinte do seu direito de defesa, o percentual é reduzido pela metade. Assim, uma multa de 20 % por exemplo, muito aplicada pelo fisco, fica reduzida a 10 %.
Mas seria 10 %, um percentual de multa pela inadimplência, ou uma forma arrecadadora (confisco).
Com a inflação inferior a 1% ao mês e as remunerações de capital em torno de 3 %, parece-nos que esses percentuais assemelham-se mais ao confisco, vedado pela Carta Magna, como citamos.”
Orlando de Pilla Filho, tratando do mesmo assunto em sua obra“Embargos à Execução Fiscal (ICMS)”, Ed. De Direito, 1a. Edição, 1998, S. Paulo, p. 102, assim manifesta-se:
“Quanto ao título executivo extrajudicial, da qual se reveste a CDA, vez que preenchidas aquelas exigências legais que lhes são inerentes, sujeita-se a inexigibilidade do mesmo, sobretudo quanto a qualquer valor cobrado a maior, o excesso de execução adequa-se ou, se for o caso, pleitear a nulidade desta até a penhora.
Ressalta-se, em complemento, a viabilidade da argüição de inconstitucionalidade da lei incidente ou do tributo cobrado,...”
Nas páginas 138/139/ 140/141/142 e 143 da referida obra, o Professor Orlando volta ao tema:
“Neste aspecto, inviável a cobrança de multa moratória que ultrapasse o legalmente permitido, entendendo-se para esta finalidade, a análise de todo o conjunto modificador e inovador, já instituídos em diversos setores, como por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, a recente Lei no.: 9.298/96, e outras de igual projeção nacional, não obstante a Magna Carta de 1988, com as modificações inerentes.
As normas são interpretadas (hermenêutica), apercebendo-se da exigência de sua aplicabilidade social – querer coletivo (bem comum), à evidência, ou obrigatoriamente formal dos preceitos jurídicos, havendo, por essa razão, de preservar, no mínimo, esses princípios básicos e modificadores (inovadores), a exemplo nacional, sem distinção de setores, sob pena de desigualdade, como também desencadeando privilégios, os quais devem ser repelidos.
A eficácia social – o querer coletivo, deve ser e estar em primeiro plano, de nenhuma forma aplicado apenas em prol de alguns setores, sob pena de ferir os princípios básicos e fundamentais previstos
Em suma, descabido o propósito de possibilitar que uma regra jurídica desvincule-se da finalidade que legitima a sua vigência e eficácia, portanto sob este ponto de vista, e sobretudo deve ter um fundamento, que vem a ser o direito, para a realização maior de valores ou fins essenciais ao homem e à coletividade, visando o bem comum.
Com efeito, e neste particular, não pode prevalecer em nenhuma hipótese a desigualdade. Vê-se a redução considerável das taxas de juros, multa moratória e correção monetária, assim como uma inflação oficial que não ultrapassa mais ou menos 1 % ao mês, desde a implantação do novo sistema, enquanto que outros setores, particularmente em ações de execução fiscal “pleiteia-se” a título de multa moratória, o abusivo importe que chega à ordem de 30 % ou às vezes menor, além da correção e juros igualmente já computados.
Não se trata de “premiar” ou de qualquer forma “isentar” a figura do “inadimplente”, mas adequar uma “punição” ou “sanção” à titulo moratório ou outras do gênero levando em conta tratar-se de figura jurídica – empresas - , sem dúvidas, direta e indiretamente ligadas à sociedade que a constitui, e por ela formada, responsável inevitavelmente pelo desenvolvimento não apenas do país, mas sobremaneira e com muito ênfase social.
No entanto, inegável é o afrontamento aos princípios e normas constitucionais, de direito, e ao momento econômico da nação – é a negativa do próprio estado de direito – e por essa razão, toda matéria útil deve ser aplicada e desenvolvida para combate-la, aliás, matéria esta, além de muito rica, inesgotável
Com a mesma veemência, de fato e de direito, comprometida qualquer validade e eficácia jurídica contrária, entendendo, pois impossível desconstituir ou invalidar os princípios norteadores de direito, ao lado de tantos outros já exaustivamente enunciados, inclusive pela sua finalidade única – querer coletivo – bem comum – pela própria hierarquia imposta, ao lado de “normas” vazias e inaplicáveis, incapazes em verdade, de nortearem ou contrariarem os seus fundamentos, repito.”
Quanto a inaplicabilidade de normas inconstitucionais de caráter tributário, assim já manifestou-se o STF:
“Equivoca-se, sem dúvida, a recorrente, pois o disposto no citado texto constitucional não impede que os juízes singulares e os tribunais deixem de aplicar, “incidenter tantum” leis ou decretos que tenham por inconstitucionais. O Poder Judiciário, para deixar de aplicar, “incidenter tantum”, norma que reputa inconstitucional não depende de ela haver tido sua vigência suspensa pelo senado. (página 1.314, 2a. Col.) – (Re no.: 100.276-PE, RTJ 107/1311 – 1314, relator: Min. Moreira Alves, 2a. Turma).”
Diante do exposto, entendemos existir entre nós, a presença da inconstitucionalidade do percentual legal da multa moratória, o que gera conseqüentemente, excesso de execução no caso em óbice, refletindo assim, a quebra da presunção de certeza de liquidez e exigibilidade da CDA que deu causa à presente ação.
Diante disto, espera-se que este MM. Juízo assim entenda, e declare a inconstitucionalidade, o referido excesso, e a quebra da presunção; resultando na improcedência da execução em tela, ou pelo menos, que se reduza o percentual da multa nos termos do que foi requerido neste tópico.
Temos ainda que, se este MM. Juízo não entender como procedentes estes embargos, a executada ver-se-á obrigada a encerrar as suas atividades, vez que a penhora cuja execução põe-se “sub judice”recaiu sobre máquina indispensável e, portanto necessária ao funcionamento da empresa; máquina esta cuja fabricação já não mais se dá nem em âmbito nacional, nem internacional, e jamais poderá ser comprado maquinário similar para substituí-la.
Assim, não só o representante legal da empresa perderá o seu “ganha-pão” como também os seus funcionários, que engrossarão as fileiras dos desempregados deste país. Não residiria aqui entre nós, o perigo de um dano absolutamente irreversível, que indubitavelmente legitimaria o entendimento pela procedência dos presentes embargos ?
Mesmo porque a Lei de Execução Fiscal, em seu art. 10o. dispõe que não cabe a favor da Fazenda, penhorar os bens que a “Lei” considerar impenhoráveis; e o CPC, em seu art. 649, VI, bem como a RT 658/167 e a nota no. 27 ao art. 649 do CPC de Theotônio Negrão (p. 501) entendem que as máquinas necessárias ou úteis ao funcionamento da empresa são impenhoráveis.
Enfim, em não entendendo pela procedência dos presentes embargos, a despeito de todas estas colocações, este MM. Juízo estará como que “decretando a falência da executada”.
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